"É preciso compreender, dizia Beckett, que Joyce tinha chegado ao ponto de considerar a queda de uma folha como um acontecimento tão aflitivo como a Queda."
"A bicicleta de Leonardo" (Guy Davenport)
Passe o trocadilho da queda. Não penso que se possa exagerar sobre a propensão do escritor para preferir o seu mundo de palavras que faz sentido (pelo menos para ele) ao mundo real (inter-subjectivo, na verdade). As duas espécies de queda têm, em qualquer caso, uma afinidade no texto que não pode ter a realidade que elas representam.
O Dia de Bloom (a personagem do "Ulisses" joyceano é objecto dessa homenagem literário-turística que é o Bloomsday) é apenas um daqueles imprevisíveis ricochetes da literatura na realidade, mas está aí para provar que os dois mundos não estão, de facto, separados. Podemos entusiasmar-nos ou afligir-nos com uma ficção (que, ao transformar-nos, de facto, ganha foros de realidade) ou com um facto que, é verdade, sempre fazemos nosso, quando o 'processamos', para falar na linguagem da técnica.
O que queria, pois, dizer Beckett, segundo Davenport (um dos escritores preferidos de Steiner)? Não é a 'equivalência geral' das palavras na literatura que impede o escritor 'obsessivo' de respeitar as diferenças obrigatórias da convivência humana.
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