domingo, 7 de julho de 2013

LIMPEZA ÉTICA

Alfred Sauvy (1898/1990)

 

Alfred Sauvy, conhecido antropologista falecido em 1990, dispôs-se, nos anos setenta, a calcular o custo e o valor da vida humana ("Coût et valeur de la vie humaine"), o que em si era já uma espécie de basfémia: pois não são, ao contrário, a vida e o espírito humanos que conferem o valor?

A tese de Marx é que o trabalho é considerado, no sistema capitalista, como uma mercadoria como as outras e a sua teoria do valor é inseparável da ideia da 'exploração do homem pelo homem'. A lógica disto pode levar-nos a dizer que a tendência actual de substituição do trabalho pela tecnologia nos há-de levar ao fim daquela exploração e ao fim do próprio valor. As profecias às vezes cumprem-se, mas como ninguém esperava.

Mas o que eu queria realmente abordar é a questão da dívida e, especialmente, da chamada 'dívida odiosa'. Vou permitir-me colocar a questão assim: o valor da dívida (por exemplo, a de Portugal) é um composto político-ideológico-matemático determinado pelo sistema financeiro dum conjunto de países, em que entram coisas como a guerra económica entre nações e organizações, a arbitrariedade do jogo especulativo e a sempiterna 'relação de forças', nestas condições a 'limpeza ética' da dívida é uma tarefa tão urgente e tão desesperada como o cálculo do valor da vida humana por Sauvy no sistema capitalista.

Geralmente desvia-se esta discussão através do sado-masoquismo das nossas elites. Então não andámos estes anos todos a 'viver acima das nossas possibidades?' Era como se tivéssemos que pagar aos que nos fizeram 'correr atrás da cenoura'...Há responsabilidades, claro, mas quem monta a armadilha tem-nas maiores e de outra gravidade.

De qualquer modo, a desmistificação da dívida pressupunha um outro acordo tácito (sobre a 'verdade' das contas) e uma nova relação de forças.

Já estivemos mais longe dum e doutra. A deusa da economia e os seus sacerdotes, infelizmente, só encontram pela frente a jeremíada dos interesses e dos direitos da grande maioria lesada, hipotecada por uma ideia de revolução que é o melhor antídoto da mudança.

 

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