terça-feira, 17 de junho de 2014

UM PROFETA

 

"Ivan Illich, um eminente crítico da expropriação do conhecimento em direcção a um mundo inferior de peritos e abstracção, argumenta em 'Medical Nemesis' que a medicina profissional pode causar mais mal do que bem. Vamos aos médicos como vamos à oficina de mecânica. Eles falam uma linguagem que permanece impenetrável para nós. Acreditamos na cura na base de fé."

(Jerry Mander)

Illich foi um prègador incansável dos anos setenta. Eram os tempos de maior notoriedade da anti-psiquiatria e da escola 'não-directiva', do hino dos Pink Floyd 'Leave the kids alone!'. Enfim, também de outras utopias, herdeiras, em boa parte, do Maio de 1968, a maior 'bolha' revolucionária da história recente. Se a expressão 'espírito do tempo' ('zeitgeist') tem algum sentido, nunca ele foi tão presente e, com a aceleração do movimento social, tão 'consciente'. Pode-se, com efeito, estar equivocado com o sentido do movimento, mas vemo-nos a agir, o que é, sem dúvida, entusiasmante.

O que é desarmante é que Illich tem razão no fundamental. Mander cita ainda o caso de uma índia brasileira que compara a simplicidade e a eficácia dos contraceptivos tradicionais, com a complicação moderna no que implica em organização, divisão do trabalho e 'expropriação' da iniciativa individual. É a diferença entre a aldeia da tribo e a 'aldeia global'.

O balanço final que o nosso profeta arrisca é inescrutinável e talvez inútil. O crescimento e a concentração no mesmo lugar da população impõe um fardo que nada tem de romântico. Mas, muitas vezes, não temos outras ideias.

Outro exemplo flagrante é o da democracia e do 'espírito democrático' que, hoje, nada podem ter a ver com a experiência da Grécia antiga. A ideia de representação, no Estado da nossa nebulosa sócio-electrónica, parece mais um dos célebres mitos atenienses...

 

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