quinta-feira, 19 de junho de 2014

O INVERNO DE TOLSTOI

Sofia Tolsto

 

Albert Camus, no "Carnet III", transcreve esta passagem do diário de Sofia Behrs, a mulher de Tolstoi: "Ele enjoa-me com o seu povo." E acrescenta, entre parêntesis: ela recopiou 7 vezes 'A Guerra e Paz'.

Aparece aqui a figura de uma submissão ao 'destino'. A condessa não concorda com esse lado mais político do marido. Tem uma opinião própria, mas ela só pode manifestar-se, para além da confissão ao papel, como um dos combustíveis da perpétua discussão entre o casal que impede o exclusivo do desejo (os 'pecados de sofá' na confissão do mestre), quando este perde força.

Sem a canseira desta mulher, completamente devotada, mas lúcida, teríamos as obras-primas?

Tolstoi reproduz muitas das suas idiossincrasias na sua personagem Pierre Bezuhov, um homem à procura de si próprio e fraco de carácter. O papel de domadora dessas tendências anti-autorais e de guardiã do templo do grande homem cabe à pequena condessa, com metade da sua idade e que conservou, desde o casamento, o hábito de trocar a leitura dos respectivos diários (hoje chamar-se-ia a isso de transparência). No fim da vida, foi rejeitada pelo homem que a submetia à sua paixão tempestuosa e ao mesmo tempo a condenava por o ter levado à 'perdição'. Nesta situação, impunha-se um outro (o verdadeiro) diário, que Tolstoi teve o cuidado de lhe esconder (como na contabilidade de certas empresas) ende escrevia o que realmente pensava.

O endeusamento do povo sofredor era, afinal, mais uma das veleidades do seu 'inverno do descontentamento'. Sofia não tinha dúvidas sobre isso.

 

 

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