"As belezas da arte redobram o efeito das belezas da natureza e previnem a saciedade, que é o grande defeito do prazer de ver paisagens."
Stendhal ("Promenades dans Rome")
Gostava de ficar horas esquecidas diante do mar, que me é mais acessível do que a tantos outros (vivo no Porto). Mas a 'saciedade' de que fala Stendhal chega depressa, se essa contemplação contar só com o sentido estético. A partir de um certo momento, toda a assistência que o espírito pode dar à natureza cessa porque pouco a pouco se confunde com ela.
O romantismo encheu a nossa imaginação de silhuetas recortadas no céu, no seu penedo sobre o mar, naturezas inquietas que sonhavam em partir num navio que os levasse para longe da vida de todos os dias. Mas era mais um solilóquio do que um espectáculo. A natureza põe-nos em sintonia com a corrente dos nossos pensamentos, mas não os nutre, no melhor dos casos, será um regime inspirador, o que, reconheça-se é uma ideia romântica.
Diante de um quadro procuramos um espírito que fale a nossa linguagem. E como poderemos saciar-nos se nunca temos a certeza de o ter alcançado, de ter entrevisto todos os segredos da obra? A arte coloca à nossa frente um objecto humano que não está confinado ao pensamento do seu criador. É esse o mistério que nos interpela, que nos revela a que ponto não nos compreendemos a nós próprios.
A Natureza está demasiado longe para ser um verdadeiro mistério. Só a Física está à nossa medida e nos permite ser insaciáveis...
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