sábado, 7 de junho de 2014

BARDAMU, O CÍNICO

Ferdinand Céline (1894/1961)


"Ela trabalhava no eterno, a minha bela. É preciso acreditar em Claude Lorrain: os primeiros planos dum quadro são sempre repugnantes e a arte exige que se situe o interesse da obra nos longes, no inalcançável, lá onde se refugia a mentira, esse sonho apanhado em flagrante, e único amor dos homens."

"Voyage au bout de la nuit" (Ferdinand Céline)


Nas páginas desesperadas do seu romance, que nos mostra a fealdade da guerra como nenhum outro, não há lugar para a retórica dos grandes princípios, nem para as ilusões dum humanismo retardado.

Depois de, num abrir e fechar de olhos, ter sido capturado como um insecto pelo brilho duma parada na praça Clichy até às trincheiras lamacentas da Flandres, o trajecto de Bardamu foi o da aprendizagem do cinismo como manual de sobrevivência.

O entusiasmo mata, em tempo de loucura bélica e a credulidade é carne para canhão.

A metáfora de Claude Lorrain vale só para a rectaguarda, em que "a poesia heróica possui sem resistência aqueles que não vão para a guerra e melhor ainda esses a quem a guerra está em vias de enriquecer. É normal."(ibidem)

A mentira que se refugia no longínquo e no inalcançável em nada ajuda o homem acossado pela morte.

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