O Duque de Saint-Simon (1675/1755)
"Monseigneur (o primeiro filho de Luís XIV), tendo ido de Marly a Meudon, quis ali oferecer um jantar ao Eleitor (da Baviera); mas a surpresa foi grande de ele pretender ter a mão (*). Essa pretensão era em todos os sentidos nova e insuportável; nunca eleitor algum tinha imaginado uma semelhante sobre o herdeiro da coroa [...]; houve negociações, que chegaram a qualquer coisa de ridículo. [...] Monseigneur recebeu-o no exterior; eles não entrarem em casa por causa da mão; encontrou-se uma caleça, na qual entraram os dois ao mesmo tempo, cada um pelo seu lado; passearam muito; ao sair da caleça, o Eleitor despediu-se e foi para Paris, e de maneira a que Monseigneur não o visse, quer ao chegar, quer ao partir, descer da ou subir para a carroça. Desta maneira, embora Monseigneur estivesse à direita na caleça, a mão foi coberta por subirem ao mesmo tempo por lados diferentes, e pela afectação de não entrarem em casa e de só a verem de fora."
(*) ter o lado direito em relação a alguém.
"Mémoires" (Saint-Simon, citação de Marcel Proust em "Le Côté de Guermantes")
A regra da prioridade na corte do mais protocolar dos soberanos distinguia-se, evidentemente, de uma regra de trânsito, por o direito à mão ser "pessoal e intransmissível", e não ter a mesma simplicidade nem a mesma clareza em todos os casos.
As infracções dependiam de uma boa explicação do código, mas era praticamente impossível prever todas as situações.
O génio de Luís XIV foi o de complicar suficientemente a etiqueta de Versalhes para manter a nobreza ocupada e longe das tentações frondistas, cumprindo as regras do seu grande jogo de salão. Desse ponto de vista, não era um exagero considerar-se ele o astro à volta do qual todos faziam órbita.
Tal como a burocracia se justifica a si própria e mede a sua eficiência pelo movimento dos papéis, também esta aristocracia de raízes no ar, entre festas e jogos, só tinha um pensamento: a promoção.
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