quarta-feira, 14 de março de 2012

O QUE EXPRIMEM OS SONHOS

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"A relação que existe entre um sonho e aquilo que ele exprime era-lhe conhecida; não era outra coisa senão aquela que caracteriza a analogia e a comparação que já o tinha muitas vezes preocupado."


"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)



Mas pode-se exprimir sem um "destinatário"? Se não fosse a ideia dos outros, a necessidade de nos fazermos compreender, não faríamos mais do que trejeitos inexpressivos.

No sono, só o hábito poderia manter a ficção dum sentido obrigatório daquilo que ocorre no "cinema" interior. Alain dizia que o objecto dos nossos sonhos é o mundo. É ele que, continuamente, faz pressão e nos manda as suas embaixadas ao processo inconsciente. Assim, muitos sonhos se explicam por essas intromissões (uma luz, um ruído, o braço em má posição) que podem ser o ponto de partida dum novo episódio narrativo, ou imporem uma inflexão no curso dos "acontecimentos".

A prática da psicanálise é, assim, uma verdadeira escrita, em que se encontram cenas teatrais e um sentido no que é, muito provavelmente, mecânico. O mais interessante é que essa fábula ganha foros de autenticidade pelo facto de parecer vir de dentro de nós e de surgir, precisamente, como expressão.

Mas é a expressão dum oráculo, isto é, um eco do atrito circundante.

Por isso, em Delfos, a fórmula do "conhece-te a ti mesmo" devia ser lida como um "não acredites em nada do que ouvires."
 

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