sábado, 3 de março de 2012

ENGRENAGEM

http://cote-citations.skynetblogs.be


"A mentira salta aos olhos, não há nariz humano que não cheire imediatamente, infalivelmente, o subtil perfume de independência, de hábito de mandar, de hábito de escolher em todo o lado o que há de melhor, de ligeira misantropia, de responsabilidade consciente, que se exala de um rendimento sólido e considerável."


"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)



O sentimento de classe é, pois, a coisa mais natural. E o dinheiro tem a sua hierarquia (dessacralizante), como o poder tem. Basta ler qualquer romance russo da grande época, para perceber esta zoologia de "grandes e pequenos animais", como dizia La Fontaine.

A misantropia é uma reacção a implícitos valores que o "status quo" ofende (como quando as pessoas se zangam por lhe dizerem as verdades), mas que só se faz sentir nas transições. Quem "nasce num berço de ouro" é naturalmente insensível ao efeito que produz nos "narizes" mais sensíveis.

Nesse ponto, a misantropia é de tal modo inconsciente que a classe, nessas pessoas,  é tocada pela "graça" das coisas espontâneas. E é preciso um "espeleólogo" empenhado como Proust para observar a diferença entre o duque e o príncipe de Guermantes, em matéria de snobismo.

Se a natureza tem horror ao vazio, a sociedade tem horror à simplicidade do abstracto. As utopias são, num certo sentido, máquinas do nosso pensamento. É por isso que existe uma igualdade mecânica que só poderia funcionar dentro duma engrenagem maior do que ela, e com a mesma ausência de espírito.

0 comentários: