sexta-feira, 16 de março de 2012

LARANJA INTEMPORAL

Malcom McDowell como Alex ("A Clockwork Orange")


Por mais inovadoras que sejam, no momento em que aparecem, as obras de arte trazem consigo um elemento corruptível ligado ao "ar do tempo". Mas é verdade que conhecemos casos de reabilitação, precisamente porque esse elemento se tornou, entretanto, moda. Por isso é que o chamado juízo do tempo nem sempre é fiável.

Vem isto a propósito de eu ter posto essa questão relativamente a uma das obras mais emblemáticas do cinema dos anos 70 e que, além disso, parecia anunciar um novo tipo de violência juvenil (mas também institucional, ou não fosse violenta a experiência clínica e mediática a que foi sujeito Alex ) nas nossas sociedades. Refiro-me, claro, ao filme de Kubrick "Laranja Mecânica".

Como é que envelheceu esta obra "revolucionária"?

Alex é uma personagem ambivalente porque sendo, por um lado, um sádico "hooligan", tem em si uma outra tendência, ou um resquício de alma, para falarmos segundo um ponto de vista religioso, representado pela sua paixão pelo "divino Ludwig Van", coisa que parece distingui-lo dos restantes rufiões (e aprofundar nele a natureza do mal).

A sua família é disfuncional quanto baste, no que poderíamos ver um eco do tal "ar do tempo", porque os anos 70 foram, de facto, pródigos em teorias de "justificação" da violência e da marginalidade pela desagregação da família tradicional.

É preciso reconhecer que há, neste filme, além disso, uma certa estetização da violência. Ela é quase sempre gratuita e "musical", como parte integrante da estrutura do filme. O 'allegro furioso' (com 'la gazza ladra') do início e a brutalidade da cena ao som de "singing in the rain" (música já utilizada  por Hitchcock em "Intriga internacional") dão lugar a uma mudança de ritmo na segunda parte, com o episódio do hospital, em que Alex é sujeito a uma terapia de "reversão", a técnica de Ludovico, que associa às suas tendências para a violência os efeitos duma droga nauseante.

É o seu original "formalismo" que descola o filme duma leitura de época. Por muito diversas que sejam, hoje, as formas que assume a violência, o filme está ao abrigo de qualquer "desactualização".

Stanley Kubrick não fez, com "A clockwork orange",  um filme realista, nem "actual". Por isso, podemos hoje revê-lo como uma novidade que tem tudo a ver com o nosso tempo, mas dum modo que não saberíamos identificar. O retrato é o nosso, mas não há óculos que o possam focar (e limitar).

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