sábado, 24 de setembro de 2011

O "SHIFT"

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"Ela tinha traçado uma linha entre o que se poderia chamar o seu impudor profissional e o seu pudor privado, como uma médica ou uma assistente social; era sensível como um esfolado a uma palavra mais pessoal, mas falava impessoalmente do que quer que fosse (...)"


"O Homem Sem Qualidades" ( Robert Musil)



Existe uma espécie de "entre parêntesis" do nosso pensamento quando exercemos determinadas funções. Continuamos os mesmos, mas procedemos como se obedecêssemos a um outro princípio. O princípio burocrático, por exemplo. Conheci chefes inacessíveis, senão mesmo intratáveis, que, fora da empresa, eram excelentes pessoas. A função tomava conta deles, a ponto de ficarem irreconhecíveis. Quanto maior o poder, mais esse desfasamento é visível. Não nos devemos deixar enganar pela aparente bonomia dos poderosos. Há sempre um certo grau de desprezo que se pode esconder atrás da afabilidade. O conde de Guermantes, em Proust, que parecia o mais altivo e orgulhoso dos dois, não chegava à altura dos preconceitos e do sentimento de superioridade do seu primo, o príncipe, cujos modos exteriores eram o mais democráticos possível.

O "parêntesis" pode revestir-se de características esquizóides no caso do clandestino ou do conspirador. São, na verdade, "compartimentos estanques".

O comportamento de Diotima podia chocar o seu amigo aristocrata, Leinsdorf, pela sua "liberdade" e pela "indulgência" com que falava das paixões humanas. Mas Diotima não fazia mais do que mudar de registo, premindo o "shift" adequado.

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