quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A PRAÇA TAHRIR

Cairo (Reuters)


“Recentemente, testemunhámos como não foi preciso mais do que uma rebelião de estudantes franceses, relativamente inofensivos, essencialmente não-violentos, para revelar a vulnerabilidade de todo o sistema político, que rapidamente se desintegrou diante dos olhos espantados dos jovens rebeldes. Sem o saberem, puseram-no à prova; tencionavam apenas desafiar o ossificado sistema da universidade, e vieram abaixo o sistema do poder governamental e, ao mesmo tempo, o das enormes burocracias partidárias – ‘uma espécie de desintegração de todas as hierarquias’ (Raymond Aron). Como situação revolucionária foi um caso de manual que não se desenvolveu numa revolução porque não havia ninguém, muito menos os estudantes, preparado para agarrar o poder e a responsabilidade que o acompanha.”


“On violence”  (Hannah Arendt)



Isto passou-se no Maio de 1968 parisiense. Mas não podemos deixar de pensar nos acontecimentos da praça Tahrir.

A violência dum regime pode não ter por detrás um poder suficientemente sólido. Ela persiste, enquanto esse poder não for confrontado. Mas como as revoluções não se “fazem”, verificar que o poder não é tão invulnerável quanto se esperava, não significa que se siga uma mudança real. Como no caso do Egipto, bastaram as imagens de Tunes para desencadear o desejo de confronto. Mas estamos no domínio do simbólico (à imagem de invulnerabilidade sucedeu-se o sentimento da fraqueza do poder), não do funcional. Se o exército não se desintegrar, salvará este poder, com ou sem Mubarak.

Escreve Anna Applebaum no “Washington Post”: “São traduzidos anualmente mais livros para grego, uma língua falada por 10 milhões de pessoas, do que para a língua árabe falada por 220 milhões.” (citado por Teresa de Sousa no “Público” de hoje)

Este fenómeno, que uns anos atrás poderia consagrar o anacronismo dos países árabes, não impediu o “contágio” da ideia democrática (que, de resto, pode ter uma vida demasiado curta, como foi o caso no Irão). Na era das imagens e da informação instantâneas, a tecnologia pode criar uma nova internacional, sem ideologia ou profundidade política,  que se espalha como um vírus informático, disponível para ser captada por mais sofisticadas formas de poder. A invisibilidade e a disseminação (como foi, num tempo, a da sociedade por acções) são apenas parte dessa sofisticação.

A “engenharia” financeira espera o seu equivalente na política.

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