quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O BOLO DOS DEUSES




“A falta primordial é o gesto que faz desaparecer o existente: o gesto daquele que come. A falta é obrigatória e inextinguível. E, uma vez que os homens não sobrevivem se não comerem, a falta para eles está estreitamente entretecida na sua fisiologia e renova-se continuamente.”

“Les noces de Cadmos et Harmonie” (Roberto Calasso)


A mitologia grega explica como tudo começou. Foi “o boi, o boi de trabalho, companheiro do homem, que comeu um dia o bolo e os outros doces oferecidos aos deuses.”  Por isso, desde o princípio, se sacrifica o animal. É ele que expia a nossa falta, porque a falta não pode ser suprimida, mas apenas deslocada, endossada para o animal.

Tudo isto faz muito sentido se pensarmos que só pouco a pouco nos fomos isolando da natureza. A Natureza-Mãe é uma metáfora hoje caída em desuso, porque a natureza é, em vez disso, o nosso único objecto.

Vê-se que fazer desaparecer o existente não é atenuado pela mudança para uma dieta vegetariana ou sintética. Levámos mesmo até às últimas consequências o princípio da falta, tornando-nos omnívoros e consumistas. Só talvez as guerras, o crime urbano e o massacre das estradas se aproximem de qualquer sacrifício de expiação (sem interposto animal). E o mito foi, de certo modo, actualizado no fundamentalismo ecológico.

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