domingo, 13 de fevereiro de 2011

DO BOM E DO MAU USO DAS PAIXÕES



René Descartes (1596-1650)




“Porque nos pomos em amor, como nos pomos em cólera, fazendo tão-só os gestos. Mas justamente porque sabiam isso, eles não os faziam.”


Robert Musil (“O Homem sem Qualidades”)




A ideia já vem do “Tratado das paixões” de René Descartes e continua a ser actual, porque todos nos deixamos iludir pelas paixões e a todo o passo esquecemos a “ligação do corpo e da alma”.

Claro que hoje deveríamos incluir nessa influência todas as formas de acoplamento tecnológico que prolongam as nossas capacidades físicas e intelectuais. Poderíamos assim falar dum corpo-automóvel (agressivo e irrealista, por efeito da velocidade), o corpo-walkman ( com que mergulhamos, armados de head-phones, num mundo paralelo), o corpo-televisão ( e a espécie de estrabismo da atenção que comporta), o corpo-computador ( e a sua virtualização das relações sociais), etc., etc.

Cada uma dessas extensões do nosso corpo modifica as paixões naturais, mas verificando o mecanismo descrito por Descartes na sua correspondência e, tal como é comentado por Alain (“Ideias”) :

“Tentarei, portanto, fazer três grupos destes curtos artigos, ligando-os a três ideias. A primeira consiste nisto que as verdadeiras causas das nossas paixões nunca estão nas nossas opiniões, mas antes nos movimentos involuntários que agitam e sacodem o corpo humano segundo a sua estrutura e os fluidos que nele circulam; e é uma visão do homem-máquina a partir do paradoxo célebre do animal-máquina. A segunda ideia é que as paixões estão na alma, quer dizer são pensamentos, que dependem, é verdade, das afecções do corpo, mas que não oferecem menos uma variedade que é preciso ainda descrever. Estas duas ideias estão expostas juntas em quase em todo o lado, nas três partes da obra. Quanto à terceira ideia, que só se mostra episodicamente na terceira parte do Tratado, é no entanto aquela que suporta a segunda; porque as paixões só são tais na alma, e só podem receber este nome tão expressivo de paixões, por oposição a um pensamento livre no seu fundo, duma ordem muito diferente e dum muito diferente valor em relação aos acontecimentos físicos do corpo, e mesmo aos pensamentos servos pelos quais traduzimos a nós mesmos estes acontecimentos.”

E continuaria a ser possível fazer um bom e um mau uso das paixões se tivéssemos alguma ideia do que somos...

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