quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

LEVIANDADE



“(…) ainda têm uma certa leviandade porque examinam tudo
como se se destinasse a ‘uma paisagem interrompida pelo frio.’”


“Autofagias”   (Herberto Helder) 



Conheci um homem que, logo que se sentava à mesa, procedia a uma minuciosa verificação da toalha, prato, copo e talheres. Podíamos chamar a isso um ritual securizante. Mas, no fundo, também ele tinha a “leviandade” de que fala Herberto Helder. Pretendia pôr-se ao abrigo dos incontáveis inimigos invisíveis que nos cercam a todo o momento.

Queria dar uma ajuda ao seu sistema imunitário, ou, simplesmente, não confiava nele, mas isso ocupava de tal modo o seu espírito que desorientava todos os seus sensores sociais. A “paisagem” tornava-se gelada.

Quando se perde a confiança no próprio corpo (e isso acontece com a primeira doença grave), o “examinar tudo” já não é uma leviandade, mas um modo de vida. É como viver com uma “prótese”.

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