sábado, 5 de fevereiro de 2011

TORSO ARCAICO

“O intacto torso de pedra, que é tudo quando resta do kouros, emite luz como uma estrela, impondo um mandamento: ‘Tens de mudar de vida.’”


“Torso arcaico de Apolo” (Rainer Maria Rilke)



O torso de pedra está intacto. Um pouco mais de erosão ou o golpe de um louco separariam para sempre o monumento da ideia da perfeição.

Se há lugares sem pedras intactas, onde mesmo assim as vozes antigas que se esqueceram do corpo,  enchem o espaço do seu canto, transformadas em cigarras, é porque trazemos o templo inteiro dentro de nós.

De facto, nesses momentos de epifania, já não vivemos apenas na dimensão humana, porque a beleza é talvez a única porta para a transcendência.

Aquele mandamento em que pensa Rilke é, assim, uma liberdade poética. O inefável que exalta, a experiência de sairmos da nossa cápsula só pode durar um instante e reclamar um novo milagre de cada vez.

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