segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

FALAR A SÉRIO

"Gargântua" (Rabelais)


“O reconhecimento da verdade é enfim expresso na forma de proposição afirmativa. Não é para isso de modo nenhum necessária a palavra ‘verdadeiro’. Mesmo que a empregássemos, a força propriamente afirmativa não reside nela, mas na forma da proposição afirmativa; se a proposição perde a sua força afirmativa, a palavra ‘verdadeiro’ não lha pode devolver. É o que acontece quando não se fala a sério. Do mesmo modo que o trovão de teatro é apenas um pseudo-trovão, que o combate de teatro é apenas um pseudo-combate, do mesmo modo que a afirmação de teatro é apenas uma pseudo-afirmação.”

“Écrits Logiques et Philosophiques” (Gottlob Frege)


Não poderíamos, então, enunciar uma lei da Física, por exemplo, com um sorrido giocondesco, como quem aponta para a máscara (larvatus prodeo’). O sorriso seria, neste caso, como as aspas que colocamos numa qualquer expressão. Não estamos aqui a citar outrem, mas a indicar que o sentido de tal expressão não é a do seu ‘valor facial’.

A ideia de Frege remete-nos para a questão da actualidade dos signos. Por exemplo. Um livro fechado, que ninguém lê, não tem nenhuma relação com a verdade, nem se nele estivessem contidas a melhor história do Império Romano ou a própria Teoria da Relatividade. Assim, uma teoria que não estivesse “actualizada” por uma qualquer forma viva (que não fosse pensada), seria como a verdade de teatro de que fala Frege.

As Sorbonnes com que gozava Rabelais representavam esse tipo de pseudo-saber. É um caso em que a “seriedade” não é sinal de se estar a “falar a sério” (com verdade).

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