segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

HEIDEGGER E O TURISMO



“O acontecimento teve lugar durante o último seminário de Heidegger, para o qual eu tinha sido convidado, em 1973. Heidegger falava sobre  Gestell (armação) em contraste com Ereignis (acontecimento). A sua meditação alcançou uma grande intensidade; evocou temas como a Tecnologia, a Habitação, a Gelassenheit (tranquilidade). Os cinco participantes, todos falando francês, foram arrastados pelo ‘vento do pensamento’. Heidegger estava em diálogo consigo próprio, à nossa frente, o olhar dirigido para qualquer outro lugar. Mas, de repente, voltou do seu retiro e estava outra vez entre nós. E isto foi o que disse com voz firme:’ O turismo devia ser proibido.’ Assim, apanhados de surpresa, ninguém sorriu. Estavam todos sob o fascínio do seu intenso monólogo.”


“The Thracian Maid and the Professional Thinker”  (Jacques Taminiaux) 



De volta ao hotel, Taminiaux não pôde deixar de ironizar: “Será que ele não se apercebe de que, sem a infra-estrutura turística na cidade de Freiburg, nós não poderíamos assistir ao seu seminário?

Foi, sem dúvida, esta inclinação para um certo despotismo que levou o filósofo a fazer a mais polémica das suas incursões na política: o “Discurso Reitoral” de 1934 que o associou (indevidamente) ao nazismo e para sempre manchou a sua reputação.

Mas essa inclinação não pode ser atribuída a qualquer defeito no carácter de Heidegger, porque é quase sobre-humano manter o pensamento no estado contemplativo (a bios theoretikos) e confiar apenas na sua influência indirecta, através do espírito, para “corrigir” o mundo, que é o objecto de tantas elucubrações solitárias, quando se apresenta uma oportunidade real de poder, ou a sombra disso apenas.

É a tentação de  Cristo no deserto, e é a tentação a que nem Platão, por exemplo, resistiu na sua aventura siciliana.

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