sexta-feira, 4 de maio de 2007

PRENDI UMA AMAZONA


"L'Action enchainée" de Aristide Maioll


L’action enchaînée” representa um dado momento do meu desejo. A primeira percepção foi um instante táctil fugitivo. Porque a fotografia reproduz a ilusão do volume. O peso, a implantação da figura, a massa das superfícies lisas e o modelado suave dos músculos solicitam-me profundamente. Detenho-me na vitrina da livraria de arte diante da forma negra que tão bem parece "matar" um ideal perdido.

Mais tarde compro o postal e analiso-o, atento à menor deslocação erótica. A decepção começa pela naturalidade do bronze. A pele só é possível num relance. Precisamente na confluência da anca firme e desenhada e da esfera umbilical, que se amachuca na depressão cavernosa, entre duas possantes colunas, o metal aparece. Há uma tensão entre o busto e a parte inferior nesta homenagem a Blanqui: certos ângulos contradizem a redondeza de baixo. Os ombros masculinos e o tórax trabalhado repelem um corte diametral. Por outro lado, falta elegância e nervo ao pedestal da estátua. Mas aí compraz-se o meu imaginário animal.

O espírito está presente no meio corpo rijo que se apoia na força cega das pernas. Que pés maravilhosos! Dir-se-ia que são ouvidos encostados à terra, sensíveis a todas as vibrações. Todas as estátuas têm o cabelo loiro. Esta não é excepção e isso contribui para envolver toda a forma numa circunferência de pele sem costura. Os olhos indefinidos abolem o rosto que desce todo até ao abdómen. Basta imaginar a luz duma pupila para derrubar o objecto fálico. Há na linha quebrada, mas ainda redonda e caprichosa, que significa a torção da anca, qualquer coisa da ruga do prepúcio. O peito é dividido por um sulco de atleta e os seios são escudos de amazona. Se se pensar que essas mulheres de guerra queimavam uma das glândulas mamárias para assentar a prótese metálica, descobre-se nesta metáfora uma preciosa riqueza. Neste busto não há nada que apalpar. Ele defende-se ostensivamente.

De resto, o nome da obra sugere prisão e vulnerabilidade. O mito da mulher passiva está todo nestas mãos ligadas atrás das costas. Que não podem desferir golpes; nem resistir sabe este corpo liso e manipulável que não seja pela contorção. E essa força dramática vê-se neste Maioll povoador de jardins imaginários, como um Renoir do bronze.

O movimento lateral, a recusa da cabeça são a negatividade feita corpo humano, sob a única forma que prolonga sem angústia, prejudicial à economia do prazer, o debate com o sexo exterior. Todo este gesto em que se apaga a consciência do outro e em que o próprio corpo se faz alto relevo da vontade de poder, concorre pela expressão dum sofrimento radicalmente não humano, fetichista como tem de ser, para o gozo do espectador.

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