segunda-feira, 28 de maio de 2007

A ENGENHARIA DO SOCIAL


Litte Rock, Arkansas, 1957

"A igualdade é para o corpo político - enquanto seu princípio fundamental - o que a discriminação é para a sociedade. (...) Porque de cada vez que saímos das quatro paredes protectoras do nosso domicílio privado e transpomos o limiar do mundo público, começamos por entrar, não no reino político da igualdade, mas na esfera social. Somos conduzidos a essa esfera pela necessidade de ganharmos a vida ou pelo desejo com que a nossa vocação nos atrai ou movidos pelo prazer da companhia, e, uma vez que nela tenhamos entrado, obedecemos à velha máxima, segundo a qual "o semelhante atrai o semelhante", que governa o conjunto do domínio social na inumerável variedade dos seus grupos e associações. O que conta aqui não é a distinção pessoal, mas as diferenças através das quais as pessoas pertencem a certos grupos cuja afirmação de uma identidade própria requer a discriminação que visa outros grupos presentes no interior da mesma esfera social."

"Responsabilidade e Juízo" (Hannah Arendt)


Não resisti a esta longa citação que me parece tão reveladora, quanto é óbvia e da "sabedoria das nações".

Porque o erro mais comum é o de se transpor, sem mais, o princípio da esfera política para o social.

Hannah Arendt diz ainda que "Do ponto de vista da pessoa humana, nenhuma das práticas discriminatórias faz sentido; mas é também duvidoso que a pessoa humana enquanto tal alguma vez apareça no domínio social."

Esta contradição entre as duas esferas é representativa de qualquer sociedade, mesmo daquelas em que o realismo e o pragmatismo parecem reduzir a distância entre o que é e a imagem que se tem do que podia ser. Mas a filósofa adverte-nos do perigo da sociedade de massas poder vir a esbater essa diferença.

A "discriminação" no social (passe este cúmulo do politicamente incorrecto) é a fisiologia do colectivo, a sua "dinâmica", para falar como Comte. É assim que pode mover-se e crescer como um grande corpo.

Hannah Arendt, a propósito dos incidentes de Little Rock, no final dos anos cinquenta, por ocasião da política de dessegração forçada nas escolas, demonstra que a "engenharia" no campo social tem, as mais das vezes, resultados contraproducentes.

A complexidade da adaptação social que o pensamento está longe de poder acompanhar nas suas invisíveis articulações nunca poderá ser substituída por um programa, e todas as mudanças, no sentido desejável, terão de ser a consequência indirecta de medidas controladas até ao limite do possível.

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