quarta-feira, 4 de abril de 2007

O ÍNTIMO REVELADOR


"Fahrenheit 451" (1966-François Truffaut)


"De entre os povos da terra, o nosso é o único em que a liturgia inclui uma bênção àqueles que têm um sábio na família. Nos campos da morte, sabemo-lo, houve homens que agiram como "livros-vivos", que sabiam de cor a Torah e longas passagens do Talmud, que os seus co-detidos podiam "considerar". Sabemos que à noite, a dois passos das câmaras de gás, se desenrolavam debates teológico-metafísicos. Debates sobre ínfimos detalhes ou variantes dos nossos textos sagrados. É, creio, esta grande loucura, este vício do saber e do jogo do intelecto que podem, ao mesmo tempo, justificar e assegurar o estranho prodígio da nossa sobrevivência milenar."

George Steiner (entrevista de Ronald Sharp)


Se este Outro é indissociável da cultura do que chamamos Ocidente, no outro hemisfério só o Ocidente representa esse papel de revelador da identidade e da diferença.

Contra a imagética e a estética do Cristianismo ("uma forma de politeísmo em razão das suas crenças trinitárias"), tal como o Islão, "o judaísmo é profundamente iconoclasta".

O indigerível sentimento de um destino, que se tem de cumprir porque está escrito, "analisa" a cultura receptora e é o aguilhão espiritual da sua consciência, desde o Egipto dos faraós.

A referência aos "livros-vivos" nos campos de concentração evoca, num cinéfilo, "Farenheit 451", de François Truffaut. E só agora me dou conta de como esse filme pode ser uma metáfora do Povo do Livro.

Quanto a Israel, o escândalo de hoje, George Steiner socorre-se do filósofo de Koenigsberg: "Immanuel Kant - o mais são, o mais ponderado e equilibrado dos espíritos - acreditava no mal incarnado e não simplesmente no "mal que é a ausência do bem" de Aristóteles, que nos deixa em paz.

(...) Veja o sofrimento. Veja esse Estado armado, que para sobreviver tem de ser uma das sociedades mais militarizadas da Terra."

E depois, esta pergunta shakespeareana: "por que é que, infalivelmente, as nossas melhores intenções, as nossas compaixões, as nossas utopias se convertem no Inferno?"(ibidem)

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