terça-feira, 3 de abril de 2007

A IDEALIDADE DO CUBO



"O rosto humano é verdadeiramente como o do Deus de uma teologia oriental, todo um cacho de rostos justapostos em planos diferentes e que não se vêem ao mesmo tempo."

"À l'ombre des jeunes filles en fleurs" (Marcel Proust)


A maravilhosa análise desse ser colectivo que formam as raparigas de Balbec, de quem o jovem Marcel se enamora, sem se poder fixar ainda em Albertine, Andrée ou em Gisèlle, é o preâmbulo dessa outra, centrada já numa escolha (mas por que misteriosa alquimia ou concurso de circunstâncias?), em que o objecto do amor, do mesmo modo, se furta à correspondência com a imagem que dele se faz, e que a cada encontro deve ser rectificada.

Duma célebre lição: "Lagneau nunca deixava a aparência; donde essa lição sobre a percepção que nunca acabava. Vejo-o traçando no quadro as aparências do cubo e perguntando se essas aparências eram alguma coisa antes de sabermos que eram aparências." (Alain)

Porque não podemos ver, ao mesmo tempo, todas as faces de um cubo, pelo que este é um exemplo de que só a ideia nos permite suprir o que falta à percepção.

E no amor é também a ideia que o alimenta, por mais poliédrico e por vezes decepcionante, que seja o objecto.

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