Todos obedecemos a reflexos numa situação ambígua.
Já li opiniões contra e a favor do Syriza. Todas fundamentadas. Acusam-no de falta de princípios (a sua aliança com os 'Gregos Independentes'), de aventureirismo, ao jogar o futuro do país numa 'partida de poker'. E há os que incensam o partido de Tsipras por pensar 'fora da caixa' e, embora correndo alguns riscos, por 'cortar o nó górdio' numa situação aparentemente sem saída (os que dizem que a Grécia fez progressos com o programa da 'troika' também arriscam muito, mas só em palavras).
Ninguém podia esperar uma nova atitude, em relação ao problema europeu, por parte dos políticos comprometidos com o programa austeritário em curso.
Como diz Pacheco Pereira: "De há uns anos para cá, ou melhor desde que a Alemanha abriu a crise das dívidas soberanas, que é uma "construção" política artificial, escolhida, desejada e desencadeada, lançada às feras dos mercados, de natureza muito diferente da crise bancária suscitada pelos activos tóxicos e pela derrocada do Lehman Brothers, que a mudança parecia impossível." ('Público' de 31/1)
O melhor amigo desta austeridade germânica de vistas curtas, para além do trauma, sempre presente no povo alemão, causado pela hiper-inflação dos anos 20/30 do século vinte, é o bom-senso. Esse bom-senso encontra aliados nas próprias vítimas deste imperialismo neurótico que inspira a chancelarina. A culpa colectiva e individual é um mecanismo que se auto-alimenta, que está presente também sob a forma paradoxal da estupidez negacionista e irresponsável. Podemos estar certos de que esta crise, que já se diz ser a segunda maior do capitalismo, é também uma onda atrasada da segunda grande guerra e da força bárbara (que não fala grego).
O bom-senso, a coisa melhor distribuída entre os humanos (Descartes), diz-nos que devemos expiar os nossos erros e pagar as nossas dívidas. O requisitório contra a Grécia das últimas décadas é aqui esmagador.
Mas acontece que o capitalismo (tampouco quanto o Estado de Lenine) não parece funcionar de acordo com esta 'moralidade' taliónica. De resto, já os antigos donos de escravos sabiam que um escravo morto era sempre um prejuízo económico e que, se houvesse ao tempo um serviço de saúde como os que hoje podemos ter, seria do seu próprio interesse tratar os escravos doentes e mantê-los em boa saúde.
Serão os 'fundos abutres' e os 'donos do casino financeiro, que dispõe tão soberanamente das nossas 'condições de existência', mais estúpidos do que os donos de escravos do tempo antigo ou do que os senhores das plantações do sul dos EUA de antes da guerra civil?
Infelizmente essa estupidez é bem real, porque a matéria com que lidam é cada vez mais abstracta e sem parentesco com a experiência do homem comum.
Porque os problemas de hoje nos pedem respostas contra-intuitivas e aparentemente contra o bom-senso é que o caso do Syriza não se 'arruma' facilmente. Para já, libertou a esperança e recusa a escravatura e a suficiência da 'ética protestante'.
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