quarta-feira, 19 de março de 2008

A HISTÓRIA CANIBAL


Pierre Vergniaud (1753/1793)

"(...) ele (Vergniaud) veio àquelas bancadas desertas onde parecia pairar a morte. Aguentou pacientemente, artigo por artigo, a leitura, a votação do terrível projecto de Lindet. E apenas teve estas palavras: "Peço a chamada nominal; importa conhecer os que nomeiam constantemente a liberdade para a aniquiliar."

"História da Revolução Francesa" (Jules Michelet)


A Convenção acabava de aprovar a criação do Tribunal Revolucionário, no meio das maiores incertezas quanto ao futuro da pátria e com a imagem das matanças de Setembro diante dos olhos de todos.

Vergniaud compara o tribunal à inquisição, ainda "pior do que a de Veneza". "Nenhuma forma de instrução. Nenhuns jurados. Todos os meios admitidos para formar a convicção.", diz o historiador. O projecto fala em perseguir "não apenas os que prevaricaram nas suas funções, mas também os que as abandonam ou as negligenciam; os que, pelo seu comportamento, as suas palavras ou os seus escritos, poderiam induzir o povo em erro; os que, pelos seus antigos cargos, lembram prerrogativas usurpadas pelos déspotas."

Há quem ache que deveria haver jurados, mas "eles que opinem em voz alta". Michelet acrescenta: "O Terror estava mais nestas palavras do que em qualquer outro projecto."

O que Vergniaud e os seus amigos temiam cumpriu-se. Os fundadores da República foram as primeiras vítimas do Tribunal e os outros revolucionários iriam seguí-los.

A sua inteligência é tanto mais admirável quanto o passado, mesmo o da decadência dos Romanos, não lhes podia proporcionar um antecedente do terror sistemático.

Só a crença no Absolutismo da razão (ignorante ainda das antinomias kantianas) poderia produzir um instrumento como o Tribunal, mais próximo dos ordálios medievais do que de qualquer espécie de Direito.

As revoluções filhas da de 1789 só aproveitaram da sua lição em terem sabido gerar um poder sobre a anarquia das paixões violentas e quase sempre generosas.

Mas a grelha da luta de classes aplicada por Marx à sua leitura da história não impediu que a Revolução se devorasse a si mesma.

0 comentários: