quinta-feira, 13 de março de 2008

A GALERIA DOS ESPELHOS


"Ludwig" (1972-Luchino Visconti)

Sua alteza imperial a princesa Elisabeth ri-se da sala dos espelhos de Neuschweinstein. Ela inspecciona a última loucura de Luís II. O rei sonhava, mas os seus sonhos podiam percorrer-se como uma galeria. As ideias extravagantes dessa cabeça sobre arminho tinham a força suficiente para arruinar as finanças do país e fazer trabalhar uma legião de pedreiros e artistas nos seus palácios. Este sonâmbulo mandava, e as suas ordens eram obedecidas.

O sangue corrompido habitava a crença colectiva como um reduto contra o mundo. A única cólera que o saberia inspirar como ideia política vinha de lhe falarem em abdicação e de todo o acto de lesa-majestade. A pessoa de Luís II quis ser o rei da Baviera, e toda uma nação assistiu e deu poder à sua paixão. Mas a velha Alemanha agoniza com o seu monarca. Se o rei recusa o mundo e tenta alcançar a personalidade que lhe é negada pela função, essa atitude torna-se um problema nacional. O ceptro continua a ser eficaz, mas não perante ele próprio. A época romântica e a ideia política da nação alemã já julgaram este pobre Hoenzollern que duvida de si e de todos.

A produção monumental visa estabelecer a actualidade do poder contestado. Assegura o equilíbrio duma mente constantemente em perigo pela dúvida e as reivindicações do indivíduo. O crime de lesa-majestade é insuportável porque é uma urdidura interior do cepticismo. A uma função sem grandeza e sem futuro, Luís II opõe o prestígio da arte. Obsessivamente, procura uma atmosfera em que o sublime da poesia e da música, a dinastia eterna da beleza, expulsem para fora das paredes do palácio, para além dos jardins a mediocridade do moderno e todas as ameaças do espírito prático. Só a arte lhe dá um simulacro de existência, e então é possível recriar a natureza.

Luís II torna-se cada vez mais selvagem. Abandonado pelo seu tempo e metida a ridículo a prova dos seus palácios, ele vai cair, vai deixar-se cair esgotado e vazio. Momento dramático é aquele em que já não se sente em estado de receber a visita de Elisabeth. Por que se ri dos seus espelhos? Porque é uma mulher saudável? Ela não deixaria de julgar o fracasso dos seus ideais e de penetrar os novos e antigos vícios. O rei, porém, vai aproveitar esta recusa para viver a cena do amor-morte de Tristão. A amante impossível é invocada na dor real de si próprio. A literatura fornece um sentido trágico a uma tragédia sem sentido.

Visconti demora o olhar sobre as coisas, apenas os movimentos da paixão quebram este ritmo elanguescente, como se o rei perdesse sangue.

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