sexta-feira, 22 de junho de 2007

ENQUANTO HOUVER


Theodor Adorno (1903/1969)

"O mais pequeno vestígio de absurdo sofrimento no mundo da experiência inflige um desmentido a toda a filosofia da identidade que quisesse desviar a consciência da experiência: "Enquanto restar um mendigo, o mito permanecerá.(*); é por isso que a filosofia da identidade é mitológica como pensamento. O momento corporal anuncia ao conhecimento que o sofrimento não deve existir, que isso deve mudar. "A dor diz: passa." É por tal motivo que o que é especificamente materialista converge com aquilo que é crítico, numa praxis socialmente transformadora."

"Dialectique négative" (Theodor Adorno)

(*) Benjamin ("Passagenarbeit")


Muitos discursos políticos começam por um "enquanto houver" que é uma promessa com uma certa ressonância bíblica, impossível de cumprir, e por isso mesmo transcendendo, às vezes, a retórica e a política, quando se depara com a aspiração correspondente nos corações de quem a ouve.

O sofrimento não pode ser expurgado do mundo, enquanto o homem for homem, isto é, enquanto tiver um corpo vulnerável às anfractuosidades do acaso e sentir em si ou nos outros o mal físico ou moral.

E suponho que nem o mais policial dos Estados conseguiria erradicar de todo a vagabundagem. Há de sempre haver um indivíduo que prefira enjeitar o fardo da responsabilidade.

A crítica e o materialismo terão sempre motivos para querer transformar o mundo.

E o pior que nos podia acontecer era convencermo-nos de que já passámos a idade dos mitos. Então aquilo que Adorno chama de filosofia da identidade deixaria de possuir a chave para abrir qualquer porta fora de si mesma.

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