quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

VARIAÇÕES DA FÉ




“Quando o Novo Testamento foi traduzido do Grego para o Latim por S. Jerónimo (c342/420), pistis tornou-se fides (“lealdade”). Fides não tinha forma verbal, assim, para pisteuo, Jerónimo utilizou o verbo latino credo, uma palavra derivada de cor do (“dou o meu coração”). Ele não pensou em utilizar opinor (“tenho uma opinião”). Quando a Bíblia foi traduzida em Inglês, credo e pisteuo tornaram-se “I believe” na versão do Rei Jaime (1611). Mas a palavra “belief” desde então mudou o seu significado. No Inglês Médio, bileven queria dizer “apreciar; valorizar; encarecer”. Estava relacionado com o Alemão belieben (“amar”), liebe (“amado”) e o latino libido. Portanto, “belief” originalmente significava “lealdade para com uma pessoa a quem se está ligado pelo dever ou por uma promessa.”

“The case for God”  (Karen Armstrong)




A diferença é de monta. E o que é que mostra esta translação do significado da palavra fé que parece, no entanto, ser o mesmo de sempre? Ela dá conta dum progressivo abandono do mundo religioso, em que crer era mais viver de acordo com uma certa prática ( e as ideias concomitantes), a favor dum mundo “secularizado”, em que a religião é apenas uma das opções. Mais importante ainda do que esta “especialização” do religioso é que ela já não se confronta com as outras “modalidades” no plano da prática, mas quase só no das ideias.

Hoje, uma pessoa considera-se católica mesmo se não é “praticante”, isto é, se não vive dum modo cristão. Como as ideias mais fortes, mais incorporadas, nos vêm da forma como vivemos, a ausência do ritual religioso tem enormes consequências. Assim, quando alguém diz que acredita num dos dogmas proclamados pela Igreja, exprime, talvez, um compromisso e uma lealdade (no sentido original da pistis), mais do que uma simples opinião. Mas por essa crença não ter qualquer influência na sua vida, isso não tem qualquer relevância.

É a espécie lealdade que todos temos em relação aos preconceitos.

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