terça-feira, 21 de dezembro de 2010

POLÍTICA E POLICY




É Jacques Rancière que diz que a política não é o espaço público resultante dum contrato social ou de um bem comum garantido pelo Estado, mas que é na medida em que o princípio da igualdade é posto à prova por aqueles cujo papel é o de não falarem e ficarem de fora da coisa pública que existe a política.  O resto é polícia (policy) e decerto que, ao exercer-se  na esfera “doméstica” (trata-se arrumar e manter a ordem), da necessidade, a “polícia” determina o jogo político possível, o lugar e a função de cada um, dos que participam e dos que se encontram privados da acção e da palavra (na infância, de infans, o que é incapaz de falar). Para Rancière esta divisão vem antes daquela que separa governantes e governados.

Mas a sociedade em que todos participam e em que todos usam da palavra é o que há de mais utópico. Se em vez da dissensão potencial e da desigualdade “naturalizada” pela ordem “policial”, tivéssemos a perfeita transparência, a consciência democrática não seria compatível com qualquer tipo de processo, por mais acelerado que se imagine. A transparência total e o protagonismo universal poriam a utopia na ordem do dia. E já vimos isso. Os demónios (era escusado lembrar) seduzem-nos com boas ideias, não com  mentiras descaradas.

O certo é que a ideia de Rancière sobre a política tende a confundir-se, assintoticamente, com a “boa” ordem. Isso tem um  precedente famoso na ideia leninista do deperecimento do Estado (essa outra utopia).

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