domingo, 26 de dezembro de 2010

A JUSTIÇA


"A morte de Sócrates" (David)


“Como qualquer ritual, (a experiência filosófica) era um trabalho extremamente difícil, requerendo uma grande despesa de tempo e muita preocupação. Tal como Sócrates, Platão insistia que ela devia ser conduzida duma forma gentil, compassiva, de modo a que os participantes ‘sentissem com’ os seus parceiros: ‘Só quando todas estas coisas, nomes e definições, sensações visuais e outras, se misturam e são sujeitas a testes nos quais perguntas e respostas se trocam de boa fé e sem malícia, é que, finalmente, quando a capacidade humana é estendida até o seu limite, uma faísca de compreensão e inteligência irradia e ilumina o assunto em questão’”. (Carta Sétima)

“The case for God” (Karen Armstrong)



A compreensão e a inteligência como experiência total, envolvendo o corpo e o espírito, é algo que já é estranho para nós. A identificação da experiência filosófica com uma iniciação prática que tinha tudo a ver com a estética e o ritual religioso era, no tempo de Platão, algo de natural e que remontava às origens da filosofia.

Embora, sempre tendo em conta os limites da razão, não se deixou, porém, de desenvolver o seu poder (o célebre argumento ontológico de Santo Anselmo é um dos pontos altos dessa tendência) até o ponto em que a ciência pôde separar-se e voar segundo a sua própria lei. Foi aqui que o Ocidente perdeu de vista o Oriente “fanático”, o Oriente “donde vem tudo, o dia e a fé”, nas palavras do poeta.

Mas ainda hoje podemos verificar a justeza daquela passagem da carta de Platão. Sabemos que a boa fé e a ausência de malícia são indispensáveis para alcançar a verdade. A condição que se exige dum verdadeiro diálogo  é a mesma que praticamos connosco mesmos no nosso monólogo interior (ou no dois em um de Arendt). Não nos mentirmos nem nos deixarmos influenciar por outro interesse que não o da justiça, no seu sentido mais lato.

Usamos, por isso, dois critérios de verdade: um em relação àquilo a que chamamos, desde os Gregos, a Natureza, onde dominam as leis científicas e outro para o Homem onde prevalece a justiça.

Mas não deverá a justiça ser também critério da ciência?

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