segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O MODELO CAÓTICO





“Não há uma imagem clara, consistente de Deus no Génesis. No famoso primeiro capítulo, Deus Criador aparece no centro do palco, sem rival, supremamente poderoso e benigno, abençoando todas as coisas que fez. Mas o resto do Génesis parece desconstruir esta limpa teologia. Deus, que era supremamente poderoso no capítulo I, perdeu todo o controlo sobre a sua criação em dois capítulos; o integralmente justo e equitativo Deus que abençoou tudo imparcialmente é mais tarde culpado de estrondoso favoritismo, e as suas escolhas algo arbitrárias (os escolhidos raramente são modelares) põem criminosamente os seres humanos uns contra os outros. (…) No Génesis o que vislumbramos daquilo a que chamamos Deus pode ser tão parcial, terrível, ambíguo e paradoxal como o mundo em que vivemos.”

“The case for God” (Karen Armstrong) 



O Deus do Antigo Testamento não nos é “familiar”. Não está presente no coração dos crentes. Racionaliza (mesmo apelando ao irracional, porque, como diz Veyne, o irracional pode ser coerente consigo próprio) os nossos medos e nunca deixa de se comportar como um Todo-Poderoso. É exterior até quando fala ou aparece sem se mostrar, e mesmo essa fugaz “presença” deixa de se verificar. “(…) no final do livro, José e os seus irmãos têm de confiar nos seus próprios sonhos e visões – tal como nós” (ibidem)

A Bíblia começou pelas crónicas dos reinos de Israel e de Judá. A cosmologia veio depois, e o monoteísmo. Antes de Jeová, adorou-se El, o deus local. A Bíblia é um processo de inscrições e não um livro com uma mensagem coerente. É talvez por isso  que nela se pode encontrar uma outra versão “caótica” do mundo.

A inspiração a partir dum texto tão rico como é o do “Livro” não pode ser igual à duma doutrina. Infelizmente, a construção histórica desse texto favoreceu uma coerência indesejável: a da raça.

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