sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A FÉ DESESPERADA



Hermann Göring (1893/1946)


"A derrocada dos Alemães toca-nos mais de perto do que confessamos a nós próprios. O que não deixa ninguém em sossego, é a enormidade do simulacro em que eles viveram, o carácter gigantesco da sua ilusão, a força cega da sua fé desesperada. Certamente que sempre execrámos aqueles que confeccionaram a mistura infecta e repugnante desta fé, os verdadeiros responsáveis que foram pouco numerosos e que tiveram a inteligência bastante para o fazerem; mas os outros, todos aqueles que não fizeram mais do que crer, aqueles que em alguns anos reuniram e condensaram tanta força na sua fé quanto os judeus ao longo de milénios, aqueles que tiveram vitalidade e apetite suficientes para realmente querer o seu paraíso terrestre, querendo e desejando a dominação do mundo, prontos antes de tudo e acima de tudo a matar por isso, prontos a morrerem eles mesmos por isso, e tudo no mais curto prazo – essas inumeráveis cobaias sãs e florescentes, esses meros animais treinados e levados a crer como nunca o foi nenhum muçulmano -, que são eles, então, realmente, que são eles agora que a sua fé se desmorona?"

"Le Térritoire de l'homme" (Elias Canetti)


Não está aqui, para responder à pergunta lamentosa de Canetti, a estupidez infinita da espécie de que falava Einstein? Ele que dizia poder ter dúvidas sobre o outro infinito, o do universo, mas não sobre este, que nos leva à auto-destruição?

A massa é a mesma em todas as latitudes e não é uma especialidade germânica. Nenhum dos condenados em Nuremberga esteve à altura de reconhecer as consequências dos seus actos. Göring foi ao ponto de argumentar que os soviéticos tinham vestido os uniformes nazis e forjado o filme das atrocidades nos campos que foi presente ao tribunal. Os Americanos, na sua recente conversão à psicanálise, tinham mandado um psicólogo judeu, Leon Goldensohn, para perceberem se havia algum motivo de ordem familiar ou sexual na vida desses tubarões do regime que pudesse invalidar a categoria de monstruoso, a única que dava conta do sucedido aos olhos de quem desconhecia o horror burocrático e que não ouvira ainda falar da "banalidade do mal".

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