terça-feira, 22 de abril de 2008

A VAIDADE ESFARRAPADA


Diógenes (John Waterhouse)


Diógenes de Laércio conta que Diógenes, o Cínico, tendo sido, um dia, convidado à casa ricamente mobilada de um homem, e tendo-lhe este dito à entrada: "Sobretudo, não escarres para o chão!", como sentisse muita vontade disso, lhe escarrou na cara, com a desculpa que era o único lugar sujo que tinha encontrado para o fazer.

Esta anedota é citada por Cioran ("Précis de Décomposition") que reconhece no filósofo a quem chamaram o "cão", um homem que sabia abster-se de qualquer pose e que tinha a "coragem de aceitar a sua verdadeira imagem".

Eu não sei se temos de chegar tão longe para nos vermos e aceitarmos tal como somos. E, pelo contrário, a crítica que lhe dirigiam os contemporâneos de deixar transparecer a vaidade através dos buracos do manto parece-me pertinente.

Por isso, a negação de Diógenes é ainda uma atitude, muito afastada daquela tolerância que tudo aceita, "não só os abusos menores, mas os crimes e as monstruosidades."

No fundo, recusar as ilusões de absoluto da humanidade talvez seja contrário à vida. Como diz Cioran, essa "demência" protege-nos da ruína.

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