quinta-feira, 10 de maio de 2012

O LADO CERTO

danheller.com

"Ao cutelo mecânico da guilhotina corresponde o tratamento estritamente igualitário do formulário administrativo que regista o falecimento de 21 de Janeiro de 1793."

(Alain Boureau, citado por Henri Beausoleil)



O rei decapitado é nomeado simplesmente por Luís Capeto, como qualquer cidadão. Mas é uma igualdade paradoxal. Não dizia Danton que a Convenção não queria julgar o rei, mas matá-lo? Suprimi-lo como símbolo significava suprimí-lo como homem, sem os direitos 'teóricos' de qualquer cidadão.

Se estava condenado, mesmo antes da sentença,  por força do silogismo implícito em todas as cabeças revolucionárias, o julgamento do rei foi então uma farsa?

É aqui que entra o cerimonial exigido pela época. O processo do rei teve o desfecho esperado e, ao mesmo tempo, temido por todos. Lenine deve-se ter lembrado disso quando, alegadamente por ordem da autoridade soviética dos Urais, os Romanov foram executados em Ekaterinburg, para cortar todas as pontes.

O cerimonial do século dezoito, com os meses de tergiversação e de remissão dos juízes por uma espera supersticiosa, preparou a forma despachada do poder bolchevique.

Entre uma revolução e outra surgiu a doutrina que aliviava os ombros dos homens para carregar os da História.

A eliminação de Nicolau II foi também, à sua maneira, "igualitária" como o formulário administrativo de 1793. Quando não recorria ao teatro do absurdo (como nos processos de Moscovo), era essa a imagem duma justiça por definição do lado certo.

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