quinta-feira, 7 de abril de 2011

O LIVRO DE RAZÃO

(The Dance of Death by Vincent of Kasta)


“Li ainda na vossa carta, com muito gosto, os princípios das futuras felicidades. Ninguém as deseja mais do que eu. A das finanças era bem necessária. E eu conheci uma personagem, outrora cabeça desta regência, que as segurava com infinita felicidade dentro de um gabinete. Cada ramo das finanças era expresso numa folha com a sua moldura como um quadro. Noutro quadro havia o resultado de todos, que correspondia ao compêndio do livro de razão. Assim, num momento e falando com os amigos ficava a saber todos os interesses do erário. Este método chama-se o esquema do dar e haver.”

(Luís António Verney, carta de 25/12/1765)




Os livros de dupla entrada já eram conhecidos no século XIII, mas o autor fala nisso como se ainda fossem novidade, como se a confusão e a imprevisibilidade continuassem a ser a norma. Mas, no fundo, eram as contas duma economia doméstica a um nível mais ampliado e claramente expostas nos dois lados do balanço. Se não se conseguem juntar as pontas no final do exercício, há, muito provavelmente, que cortar na despesa. Tudo é simples e como deve ser, segundo a bíblica justiça. A cigarra da fábula sabia sempre o que a esperava.

Mas o que é que acontece quando dentro de qualquer gabinete, normalmente, do outro lado do Atlântico, um jovem feiticeiro, de dentes afiados e uma pança nascente, com um toque da sua varinha multiplica os números da coluna dos débitos, deixando a “cabeça  desta regência” à razão de juros?

Ora, do caldeirão dos ratings pode sair qualquer mistela que sempre encontrará quem a compre e espalhe o caos nas contas de qualquer economia. As finanças passam então a ser governadas pelo pânico. Nesta conjuntura, a economia já não tem quaisquer princípios de “futuras felicidades” e, para sobreviver, só pode prometer a desgraça e a estrita obediência aos novos magos. Ai de quem levantar a voz ou fizer questão de qualquer ponto numa discussão. Tudo isso se paga em juros.

No meio desta medieval dança de S. Vito, destacam-se os donos do nosso pensamento doravante: os economistas. Sobretudo aqueles que nos querem fazer crer que o remédio contra a feitiçaria é o livro de razão.
 

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