quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O SULCO BRILHANTE



"A inteira operação deste grande Vinci é unicamente deduzida do seu grande objecto, como se uma pessoa particular não lhe estivesse ligada, o seu pensamento parece mais universal, mais minucioso, mais seguido e mais isolado do que pertence a um pensamento individual. O homem muito elevado nunca é um original. A sua personalidade é tão insignificante quanto é preciso."

"Introduction à la méthode de Léonard de Vinci" (Paul Valéry)


Não parece isto tão afastado do individual como do colectivo? E contra a cultura da personalidade, da expressão da alma do artista, do inconsciente criador, etc.?

Se Valéry diz que a elevação nunca é "original" é no sentido de que se a realidade existe, não podemos "vê-la" através da nossa personalidade, das nossas idiossincrasias, mas na medida em que nos libertamos delas (sem deixarmos de nelas nos apoiar).

Isto significa uma aposta na objectividade das nossas melhores ideias, na sua universalidade, no valor da consciência (oh, quanto isto é platónico!) que através do ostinato rigore (a divisa de Leonardo) alcança a compreensão do mundo.

Era na mesma linha que Simone Weil dizia que em cada homem (no homem inteiro) há qualquer coisa de sagrado, mas que a sua pessoa era indefinível e nada podia ter de sagrado.

Valéry refere-se a uma liberdade positiva, que só é possível no rigor (a cartesiana separação de águas entre o espírito e o corpo) e a uma liberdade aparente que "não é mais do que o poder de obedecer a cada impulso do acaso, e quanto mais nela nos comprazemos mais encadeados à volta do mesmo ponto, como a rolha de cortiça no mar, que nada prende, que tudo solicita e na qual se contestam e anulam todas as forças do universo."

Esse rigor é, por outras palavras, o espírito humano, fiel a si próprio e por isso traçando no universo o seu sulco brilhante.

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