quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A MÚSICA DO TERROR



"Eu vi que as massas podem ser postas em fuga sem cair no pânico, que é preciso distinguir cuidadosamente entre a fuga das massas e esse pânico. Enquanto não se dissociarem em indivíduos isolados que já só estão preocupados consigo, com a sua própria pessoa, as massa continuam a existir, sempre em fuga e, quando páram, podem retomar os seus ataques."

"Le Flambeau dans l'oreille" (Elias Canetti)


Canetti descreve os motins de 15 de Julho de 1927, em Viena. Alguns operários tinham sido abatidos no Burgenland e o tribunal ilibara os assassinos. Seguiram-se cortejos cerrados e protestos e o Palácio da Justiça foi entregue às chamas.

Durante os acontecimentos, Canetti foi testemunha duma coerência extraordinária do movimento. Longe de "desmobilizar" a revolta, o espectáculo dos que tombavam alimentava uma cólera surda.

"Mesmo quando alguém ficava isolado em qualquer parte, sentia-se puxado, arrancado, e isso porque se sentia uma espécie de ritmo no ar, uma música aterradora. Pode-se falar com efeito em música, a pessoa sentia-se levada. Eu não tinha o sentimento de caminhar com as minhas próprias pernas. Era-se como que levantado por um vento sonoro." (ibidem)

Este novo ser que nasce da súbita coesão dos indivíduos na massa tem muito de instinto e é suficientemente caótico e imprevisível para atemorizar qualquer um, à excepção, talvez, de alguns "aprendizes de feiticeiro" que julgam poder levar a corrente no sentido dos seus próprios fins.

Esta força misteriosa ocupou o pensamento de Canetti durante anos a fio e é o tema de "Mass und Macht"(1960). O título é elucidativo, porque o fenómeno das massas não é de natureza política e a força que nele se verifica nada tem a ver com o poder. Parece-se mais com um cataclismo natural e, como diz, este autor, não precisa de um Führer para se formar. Hitler foi, sem dúvida, um maestro desta "música aterradora", mas teve sempre o cuidado para atingir apenas o entusiasmo comicieiro e nunca pôr as massas em movimento. O sortilégio podia permanecer atenuado nos espíritos depois do "rally" e era o suficiente. O ditador não era tão louco que quisesse que o controle da multidão lhe escapasse das mãos.

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