domingo, 7 de março de 2010

OBSCUROS CAMINHOS


Georg Trakl (1887/1914)


"Mais de um que anda em viagem…"

"Não são todos os mortais que são chamados, nem aqueles que são muitos: apenas 'mais de um' – esses que viajam por obscuros caminhos. Esses mortais estão em condições de suportar morrer (das Sterben); e eles suportam-no como a viagem até à morte. Na morte recolhe-se o mais alto retiro do ser. A morte já se antecipou a todo o morrer. Aqueles que andam 'em viagem' precisam em primeiro lugar de arranjar uma casa e uma mesa pelo caminhar na obscuridade dos seus caminhos; não só, nem mesmo, antes de tudo, para eles próprios; mas para aqueles que são 'muitos'; porque estes crêem que lhes basta instalarem-se nas casas e sentarem-se às mesas, para já disporem das coisas e terem chegado à morada."

"Acheminement vers la parole" (Martin Heidegger)


O poema é "Uma noite de Inverno", de Georg Trakl e a epígrafe é o começo da segunda estrofe.

No seu dialecto quase impenetrável, Heidegger tenta explicar que a palavra, a da língua quotidiana, é no fundo um poema "esgotado pela usura, do qual só a custo se pode ouvir um apelo".

Só no recolhimento do silêncio se pode resgatar esse poema e entender o que diz, verdadeiramente, a palavra. Porque não é o homem que se encontra no silêncio. Aí, o homem, naturalmente falante, encontra a palavra.

A interpretação do poema de Trakl tem evidentes ressonâncias evangélicas, porque a palavra heideggeriana, que se distingue do falar, tem tudo a ver com o Logos cristão e platónico, e nela se detecta, também, uma espécie de missão no viajante dos obscuros caminhos. Um materialista poderia resumir a ilusão dos "muitos" no conceito de alienação. Mas a ideia da morada é salvífica.

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