segunda-feira, 8 de março de 2010

ATÓNITO LUAR


Clair de lune -- Painted by Claude-Joseph Vernet (1714 - 1789), in 1769.

"Por vezes, no céu da tarde passava uma lua branca como uma nuvem, furtiva, sem brilho, como uma actriz fora da sua hora de representar e que, da sala, com roupa de sair, observa por um instante os seus companheiros, encoberta, sem querer atrair as atenções para si mesma."


Alain de Botton, nesta citação de Proust, diz que ele incluiu a lua no primeiro volume do seu romance, "mas evitou dois mil anos de discursos prontos-a-usar sobre a lua, criando uma metáfora invulgar para melhor captar a realidade da experiência lunar".

Ah! Se a linguagem de todos os dias evitasse o pronto-a-usar que tempestade assolaria as comunicações! No entanto, e como diz Heidegger, essa linguagem já foi poética, já nos deu o mundo no momento da criação. Agora, porém, "esgotada pela usura" é neutra e permite-nos falar, não só sem conhecermos a história das palavras e das expressões que usamos, mas sacrificando a realidade à cultura dessa linguagem.

É como se nos fizessem ouvir como "música-ambiente" a obra de Bach, ao ponto de a ela nos tornarmos insensíveis e indiferentes. A lua é dos objectos mais saturados de literatura. Proust renovou o nosso satélite com uma imagem mundana. Mas onde está o poeta para nos devolver o primeiro espanto?

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