quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

PRENÚNCIOS DA ERA TÉCNICA


Como dizem os franceses, Eça não vai por quatro caminhos no que tem a dizer. Em "A Cidade e as Serras", há uma discussão de ideias de força desigual, representando Zé Fernandes o bom senso e a medida humana (como outro Sancho Pança), enquanto Jacinto é um apóstolo da Mecânica (hoje diríamos Tecnologia), mas superficial, limitando-se a estar informado por um certo tipo de revistas e a apetrechar o 202 com a última novidade, pronto a rogar pragas à menor avaria, como que a dar a deixa ao homem do campo que somará as frustrações do amigo, como a do peixe da Dalmácia para honrar o Grã-Duque, encravado no elevador, e, na altura certa, lhe saberá despertar o desejo pela rusticidade natal de que o célebre arroz de favas será o remate apropriado.

A "má-vontade" do romancista contra a técnica e o mundo de operários e engenheiros de que o burguês dos Campos Elísios se torna refém para se poder dizer "à la page", resume-se neste mimo de bizantinice: uma máquina para apertar os botões das ceroulas.

Em comparação com o idealizado regresso à terra, o falso conforto da "Civilização" e a dependência de alguém como um electricista para reparar os constantes chiliques da instalação não têm qualquer hipótese.

Mas vê-se que uma posição equilibrada nos daria um mau romance por nos remeter para os lugares-comuns. Eça não pretendeu ser justo ou injusto em relação à técnica (apesar de tudo, nas suas viagens, sempre se servia do princípio da máquina a vapor), mas apenas cobrir de ridículo os estrangeirados e os que se entregam de olhos fechados à sedução de cada novo brinquedo.

Mas Jacinto nem essa desculpa tem, porque se aborrece mortalmente.

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