domingo, 4 de março de 2007

OS TRANSPORTES DA VELHICE


Diego Velasquez ("Vénus ao espelho")

Onde acaba o cinema e começa a vida? Diante de "Venus" (2006-Roger Michell), não podemos deixar de pensar que o actor está a morrer como a sua personagem.

A sexualidade de Maurice (Peter O' Toole) é um objecto com que é difícil lidar. Com os seus setenta e cinco anos mal conservados e aquele olhar vidrado, a sombra de Lawrence parece não ambicionar mais do que reunir-se a outras sombras no Elísio, ou confinar-se como o seu amigo Ian (Leslie Philips) a maldizer a sorte e a defender-se da horda de bárbaros que são todos os jovens.

Mas Maurice não tem as virtudes da sua impotência e Jessie (Jodie Whittaker), a sobrinha-neta de Ian, uma provinciana mal-educada e com experiência dos homens, é, para ele, em todos os centímetros da sua epiderme e na sua indomável liberdade a encarnação de Vénus.

Ora, o egoísmo selvagem de Jessie vai transformar-se, ante os nossos olhos maravilhados num sentimento que transpõe as diferenças de idade e de sexo, e a paixão do velho actor numa espécie de religião da vida e da juventude.

Ouve-se nesse final, junto ao mar da infância de Maurice o eco duma tragédia antiga. Antígona reconfortando o velho Édipo, que morre nos seus braços.

Será que existe uma só espécie de amor e esta enfatuação venusiana de Édipo poderia então inspirar a piedade filial?

O sexo aparece como algo de exterior para a jovem transviada, e é a essa espécie de maldição e de destino que se dirige a homenagem de Maurice.

Quando Jessie retoma, no atelier de desenho a pose da Vénus de Velasquez, todos medimos o caminho que ela percorreu. Como se tivesse compreendido, graças à paixão de Maurice, o símbolo da sua efémera beleza.

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