sexta-feira, 16 de junho de 2006

ANTES DA REVOLUÇÃO



"Prima della Rivoluzione" (1962-Bernardo Bertolucci)


A certeza de poder julgar a teoria e a prática do partido é atacada na sala escura. O debate interior deste herói burguês mexe na cinza e desperta uma pequena labareda.

Bertolucci diz que tudo é ambíguo no seu filme, mas o espectáculo da ópera – o MacBeth é o drama duma traição -, com a estrutura hierarquizada do teatro e o jogo convergente dos olhares, infalivelmente nos dá a ideia da culpa de Fabrízio. Este não é como o seu homónimo da Cartuxa de Parma um soldado perdido na batalha que não compreende. O marxismo que o desmamou da Igreja designa-lhe o gesto da traição. Dá o sentido negativo às suas relações amorosas. Era preciso desafiar a ordem familiar burguesa, mas Fabrízio serve-se dum pretexto para sacrificar o amor da tia e fazer um casamento de conveniência.

Ele começa por não saber explicar a morte do seu amigo Agostino. E aí o método científico não lhe é de nenhum socorro. Depois, revela-se-lhe no quase incesto uma dimensão moral inclassificável. Fabrízio precisa de coragem, mas só entende os valores políticos. O proletariado tem ideias próprias, como diz Cesare? Isso não é certo. A verdade, como princípio de salvação, acaba por ficar nas mãos de intérpretes falíveis, trânsfugas como este burguês de Parma, parciais pela má consciência.

Fabrízio pede evidências porque tem muito a perder. Enquanto o partido espera dele a fé e a renúncia. Para homens como o seu mestre Cesare, é tudo mais fácil. Esses já deram tudo, em melhores tempos. A ideia do partido está neles incarnada. Quando o compromisso político se torna razão de vida, a verdade é que é já abstracta. A Resistência forjou um tipo de militante insensível a tudo que pusesse em causa esse passado que é introjecção pessoal do colectivo. Cesare, como intelectual, é um Ahab perseguindo a baleia branca até ao inferno. A sua real incapacidade crítica – que está longe de ser um óbice intelectual – é à medida dos seus gastos militantes, isto é, sem conta.

Como na história contada pela mulher – como filosofia da vida – é Cesare que acabará por ter razão. Fabrízio casou-se quando ia buscar um copo de água. Ele que não “perdeu” nada na sua vida tinha que ser atraído pela doçura de antes da Revolução. Também para ele, no fundo, a verdade é indiferente.

O professor lê a Moby Dick às crianças, que têm a perder a infância. É a aposta da história. E o jovem amante da Cartuxa agoniza com a sua classe. Bertolucci desfez-se duma obsessão e pôde fazer depois “O último tango em Paris”. Mas esta traição é outra coisa que o Verdi?

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