sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A DEPRESSÃO




A obra-prima de Musil começa com estas palavras: "Assinalava-se uma depressão sobre o Atlântico".

Para quem viveu a primeira guerra mundial e escrevia nas vésperas da segunda, a metáfora atmosférica não podia ser mais óbvia, e talvez por isso o autor tenha tentado ao longo de mais de oitocentas páginas descrever a paz e o particular espírito cacânico (do reino das duas águias) que abriram as portas à guerra.

Embora tivesse sobretudo em mente a primeira guerra, sentia no ar, ainda, "o espectro que assolava a Europa" e que se abateu sobre as nações do modo mais célere e mortífero possível. A introdução faz lembrar, evidentemente, o espectro de Marx, em tom satírico.

A leitura mais "produtiva" do ""Homem Sem Qualidades" devia permitir-nos ver o elo que existe entre a violência infernal de 1914/1918 e o objecto da sátira musiliana, que eu me atrevo a resumir na ideia de falência do espírito (sintomaticamente, é para uma espécie de união da cultura e do poder que as principais personagens trabalham).

O vazio. É esse o tema de Musil. A segunda guerra, que foi ainda mais desumana do que a primeira, é a consequência dessa extenuação do ser. Alguns escritores, nomeadamente austríacos falam disso, parecendo falar de outra coisa. Mas a melhor súmula é a musiliana.

 

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