terça-feira, 1 de novembro de 2011

CERIMONIAIS





"Fradique recolhera na região do Zambeze notas muito flagrantes, muito vivas, sobre os cultos nativos ― que são divinizações dos chefes mortos, tornados pela morte Mulungus, Espíritos dispensadores das coisas boas e más, com residência divina nas cubatas e nas colinas onde tiveram a sua residência carnal; e, comparando os cerimoniais e os fins destes cultos selvagens da África com os primitivos cerimoniais litúrgicos dos Aryas em Septa-Sandou, Fradique concluía (como mostra numa carta desse tempo a Guerra Junqueiro) que na religião o que há de real, essencial, necessário e eterno é o Cerimonial e a Liturgia ― e o que há de artificial, de suplementar, de dispensável, de transitório é a Teologia e a Moral."


"A correspondência de Fradique Mendes" (Eça de Queirós)




Moldar o interior pelo exterior é uma ideia de Comte, o pai da sociologia. Não é evidente que os nossos gestos e a posição do nosso corpo tenham tanta influência em nós que nos levem, pouco a pouco, a mudar de ideias e, às vezes, de "igreja".

Mas basta observar o mais comum dos nossos gestos, o de cumprimentar de mão, para percebermos que não podemos cumprimentar direito alguém com quem temos uma zanga, e que o esforço de cumprimentar essa pessoa seria o primeiro passo para pôr fim às hostilidades. Ou a forma como a cerimónia da missa católica literalmente "veste" a assembleia, conformando-a uma única disciplina, propícia ao espírito comum.

É, pois, uma extraordinária mudança a da transformação da missa em espectáculo, que é o que acontece quando é vista, por exemplo, na televisão ( sendo verdade que para muitos é a única forma de "participarem").

O chamado não-praticante, não é, assim, um verdadeiro cristão porque falte aos seus deveres religiosos, mas porque não pode, de modo nenhum, pensar como aqueles que são "moldados" pela liturgia.

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