quinta-feira, 20 de maio de 2010

NEM PICASSO



Volto a um dos temas com que iniciei este blogue. Se o Museu Berardo acolhe, e se "agora são disputados por galerias de todo o mundo", é porque o território do "politicamente correcto" se alargou. Do desprezo à consagração: parece ser a recompensa dum esforço colectivo pela "visibilidade". Porque, como diz o ex-graffiter, Gustavo Pandolfo, no "Ípsilon" do passado diz 17, o "graffiti é apenas pessoas a dizer: Estamos aqui. Queremos contribuir para a mudança. Vamos lá!" e se até "criam um clima de romantismo na desordem urbana" (Vitor Belanciano)…

O turiferário tem o cuidado de falar apenas em muros e prédios devolutos, et pour cause… Quanto à fronteira entre a arte e o vandalismo, parece ser uma questão de velocidade. Os taggers talvez sejam mais apressados e já tudo parece servir-lhes de suporte, sem se preocuparem se é a fachada dum banco ou a casa dum operário. Gustavo Gandolfo diz que "É pequeno olhar para o graffiti como vandalismo, quando vemos a Grécia em convulsão ou um navio a poluir quilómetros de oceano nos EUA" Claro que isso justifica tudo, porque se tivermos um tumor cancerígeno não é urgente limpar as unhas. Embora se o combate contra o cancro depender do nosso estado psicológico, então o asseio e o cuidado de si passam a ser importantes. Um mundo feio, preparado pelos serial killers da paisagem, só nos deprime ainda mais, quando temos de enfrentar a poluição ou a crise económica.

A questão do graffiti não é saber se é arte ou deixa de ser, mas da sua imposição no espaço público. Picasso, para pintar a minha parede ou tornar a cidade numa espécie de estúdio cubista, não era o seu nome que lhe dava esse direito. De resto a "obra uniforme que dir-se-ia concebida apenas por um deles" ( os gémeos brasileiros que expõem no CCB) é um juízo que se poderia aplicar ao conjunto do "movimento". Isto quanto à originalidade. Mas penso que não importará tanto a expressão, como a marcação do território a golpes de spray.

Como em toda a crise moral, começa-se por um argumento falacioso (neste caso, o do direito à expressão do "artista urbano") e acaba-se na homenagem oficial.

Com os taggers a chegaram aos museus, temos de chamar a isto a estetização do repelente. E é mais uma coluna do templo derrubada.

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