quarta-feira, 7 de abril de 2010

A ARBITRARIEDADE




"O senhor não me compreendeu no que diz respeito aos despedimentos. Não é o próprio arbitrário que eu quereria limitar. Quando se trata duma medida tão cruel (não é a si que esta censura se dirige), a escolha nela mesma parece-me em certa medida indiferente. O que eu acho incompatível com a dignidade humana, é o medo de desagradar engendrado nos subordinados pela crença numa escolha susceptível de ser arbitrária. A regra mais absurda em si mesma, mas fixa, seria em comparação um progresso, ou ainda a organização dum qualquer procedimento de controlo garantindo aos operários darem-se conta de que a escolha não é arbitrária."

"Lettre à Victor Bernard (*), Mai 1936" (Simone Weil)


Simone havia escrito um artigo sobre "Antígona" para o jornal da fábrica (uma das inovações do seu correspondente). A forma como ela vê a questão dos despedimentos parece inspirar-se na ideia de necessidade (anankê) dos Gregos.

Pois se os próprios deuses se têm de submeter a essa necessidade, trata-se de não nos iludirmos sobre o que podemos ou não podemos. A compreensão da necessidade faz saltar as "escamas dos olhos" e traz consigo a obediência ao que é inelutável.

Ora, a ideia do destino desapareceu com o mundo dos deuses. Se hoje existe uma ideia comparável deve ser a do progresso histórico, que já viu melhores dias.

Além disso, não há controlo (mesmo se tecnicamente ele fosse possível) que possa afastar a crença numa possível arbitrariedade, seja ela alimentada por uma doutrina política ou pela simples misantropia, numa sociedade consciente das suas desigualdades.

E a verdade é que se se tenta muitas vezes ignorar a realidade (ou a necessidade), lutando contra "moinhos de vento", não está dito que isso não altere os dados do problema, mesmo se para pior. Haverá talvez que contabilizar esse potlach irracional como um dos custos da integração social.


(*) "Victor Bernard (1884/1944), engenheiro, director técnico das fábricas Rosières, onde trabalhava cerca de um milhar de operários na época em que Simone Weil visitou as oficinas."

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