quarta-feira, 14 de abril de 2010

AS QUESTÕES PESSOAIS



"Sem dúvida que a senhora nunca fez segredo do que sentia, nem mesmo agora, incluindo do que sente a meu respeito. Esse sentimento causa um tal impasse que se torna quase impossível conversar, pois tudo o que o seu interlocutor possa dizer será de antemão caracterizado como judeu, alemão ou chinês. Estou disposta em qualquer altura, como já disse ao Martin, a discutir estes assuntos em termos objectivos e políticos – penso que tenho algum conhecimento de causa –, mas com uma condição, que todos os aspectos humanos e pessoais sejam excluídos. Um argumento ad hominem destrói qualquer possibilidade de entendimento porque envolve uma coisa que sai do escopo da liberdade humana."

Carta de Hannah Arendt a Elfride e Martin Heidegger


A verdade é que as duas rivais no amor não são "livres" da mesma maneira em relação a Martin. O romance de Hannah com o filósofo "durou pouco tempo - de 1927 a 1928" (Elzbieta Ettinger), embora tivesse deixado marcas profundas, mas, entretanto, ela casou e duas décadas decorreram. Quanto a Elfride Petri, a mulher, foi a companheira duma vida. A possibilidade de discutir a divergência de ideias, em termos "objectivos e políticos" não representa a mesma coisa para ambas e pode perceber-se a nuance retórica na argumentação de Hannah.

Na vida real, os aspectos humanos e pessoais imiscuem-se quase sempre nos debates importantes. É difícil não defendermos um ponto de vista de que depende o nosso equilíbrio psicológico sem lhe "darmos corpo", sem nos envolvermos dum modo mais subjectivo do que às vezes desejaríamos.

As condições para a liberdade numa discussão só são menos complicadas do que aquelas que exige a liberdade política quando são possíveis o desafecto ou uma real generosidade.

1 comentários:

Porfirio Silva disse...

É interessante como mesmo uma pessoa como a Arendt, tão capaz de ver, tenta fazer como se esse elemento pessoal pudesse ser obliterado (nomeadamente confundindo um elemento pessoal com outro, um onde ela tinha uma razão, outro onde ela tinha uma sombra).