terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

OS GRILHÕES DA LIBERDADE



"Porque a partir do momento em que reflectimos sobre um acto que empreendemos na convicção de que somos agentes livres, ele parece cair presa de duas espécies de causalidade, dum lado, a causalidade da motivação interna, e do outro a do princípio causal que rege o mundo exterior."

"La crise de la culture" (Hannah Arendt)


E Arendt continua dizendo que Kant salvou a liberdade deste duplo ataque, com a sua razão prática, fazendo desta o centro do livre arbítrio e da vontade o "refúgio da liberdade". Com isto, a ideia da liberdade, que era na Grécia antiga um exclusivo da vida política, tornou-se, de facto, mais confusa.

Podemos pensar num caso extremo da "liberdade interior" (a do prisioneiro político que se mantém fiel ao seu ideal), para nos apercebermos dessa confusão. Em primeiro lugar, essa liberdade é apenas uma liberdade de pensar (não envolve qualquer possibilidade de acção), e depois depende tanto do regime da prisão como da resistência do próprio corpo, em qualquer caso, duma causalidade bem constringente. Mas esta pode ser a situação de qualquer homem, face aos perigos da existência. Ou seja, se a ideia da liberdade tem um sentido, não é ao nível do indivíduo, a sós consigo mesmo, mas no espaço em que interage com outros indivíduos, o espaço público. A liberdade de acção é aqui fundamental. Ela é "(…) realmente a condição que faz com que os homens vivam juntos numa organização política." (ibidem)

Como é muito verdade que a vida política depende do "princípio causal que rege o mundo exterior", a liberdade de acção que dá o sentido à política está ela própria submetida a essa causalidade.

Por isso os Antigos não falavam nela nos termos abstractos com que a ela nos referimos. Mas temos de reconhecer que a liberdade existe por que a política é possível.

É verdade que a filósofa tem um entendimento mais nuançado (e pessimista), tendo em conta a experiência totalitária que, precisamente, destruiu o espaço público e toda a vida política.

4 comentários:

Anónimo disse...

A liberdade interior não deve promover uma determinação que se reflecte na atitude (acção) seja ela interior ou não?
Se assim não for, fico na dúvida se é liberdade interior ou capricho.
A liberdade interior (de pensar) depende das circunstâncias exteriores? Se assim é como reflectir sobre a experiência de S. João da Cruz ou Frei Luiz de Léon ou da tísica de Lisieux.
A ideia de liberdade começa, exactamente, por ter sentido ao nível do indivíduo (daí a importância da educação, digo eu)porque ele próprio é espaço de interacção.
Digo eu, que sou mais ignorante do que eu própria imagino.

Maria Helena

José Ames disse...

A "liberdade interior" é mais propriamente o livre-arbítrio, a capacidade de decidir entre duas ou mais opções, quer tenham ou não efeito no mundo exterior. A liberdade de pensar comigo mesmo é uma capacidade intelectual e não política.
Se não consigo pensar por causa duma dor de cabeça, sou menos livre por isso?
O que coarcta a minha liberdade é ser impedido de agir entre os homens.

José Ames disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Bem que confessei antecipadamente a minha ignorância:-)
Agradeço a generosidade que me proporciona a aprendizagem, concorde ou não com o que se propõe.
É bom olhar o mundo mudando as lentes, de vez em quando.
E é bom aprender.
Muito bom.

Maria Helena