quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

COMO SE NÃO


S. Paulo (El Greco)


"Neste momento, estou a trabalhar nas Cartas de Paulo. Paulo formula o problema: 'O que é a vida messiânica? O que vamos nós fazer agora que vivemos no tempo messiânico? O que vamos fazer em relação ao Estado?' O que é interessante para mim é o duplo movimento que encontramos em Paulo que foi sempre problemático. Paulo diz: 'Mantém-te na condição social, seja ela jurídica ou cultural, em que te encontras. És um escravo? Continua escravo. És um médico? Continua médico. És uma esposa ou um marido? Mantém-te na vocação para que foste chamado.' Mas ao mesmo tempo, ele diz: 'Não te preocupes, faz uso disso, aproveita isso.' Isto quer dizer que não é uma questão de mudar o estatuto jurídico de cada um, ou de mudar a sua vida, mas de o utilizar. E então especifica o que quer dizer através desta bela imagem: 'Como se não, ou como não', isto é: 'Estás a chorar? Como se não estivesses. Sentes-te exultante? Como se não te sentisses. Estás casado? Como se não estivesses (...)'"

Giorgio Agamben (entrevista à revista Vacarme)


Esta táctica do "como se não" é vista por Agamben de modo nenhum como interiorização ou alienação individualista. Ela está ligada, evidentemente, àquilo a que Paulo chama de tempo messiânico. É a comunidade que assim se fortalece, graças a uma permanente descodificação da realidade.

Ora, esse instrumento mental que ao mesmo tempo distancia e critica permite que, de certa maneira, o escravo não seja mais escravo, não só por não se confundir com o seu estatuto, mas porque o pensamento táctico o coloca num tempo de libertação.

É muito curioso verificar como isto se parece com a "dupla vida" dos revolucionários e dos comunistas ainda hoje. Por um lado, é a reinterpretação da actualidade económica e social, "como se" a História estivesse realmente na marcha anunciada e a teoria não fosse continuamente desmentida pelos factos e, por outro, é a embraiagem que isso permite num tempo caracteristicamente messiânico.

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