domingo, 2 de dezembro de 2007

CONTRADIÇÕES MILITANTES


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Um amigo brusco e que quer demasiado fazer-se amar contorce-se na eterna imprecação contra os males da empresa. Mas agora houve uma mão-cheia de promoções e ambos fomos contemplados. Bem vejo por isso na sua irritação o desejo de mostrar que permanece o mesmo, apesar dos novos galões. Com o chefe que lhe deu a notícia, sentiu-se obrigado a dizer que era muito crítico em relação ao que se estava a passar, ao que o outro respondeu que não tinha o exclusivo.

Esta capacidade que tem o poder para desarmar o militante distribuindo-lhe uma parcela que ele não sabe recusar é prova de inteligência e não de força. O delegado sindical é assim aspirado para o mundo dos gabinetes, e mesmo que queira conservar o seu anorak, tem de aprender a cortesia e a pensar como os homens de gravata. As ideias perdem sempre com a mistura, e o militante divide-se dentro de si mesmo. Acontece também, mas raras vezes, que o poder não satisfaça o homem de ideal e se veja então a mesma pessoa presidir ao conselho dos chefes e conspirar na célula do partido. São estes exemplos, de resto, que escondem a ambição do militante e levam a que perante o primeiro degrau da escadaria triunfal, o delegado diga sim.

E eu não disse que não. Tomei laconicamente como um dever a cerimónia da investidura. O mal-estar de ambos é porém uma crise da adolescência. É mais fácil acusar o poder de discriminação e de arbitrário, quando somos o exemplo vivo da incomunicabilidade com a hierarquia. É como gozar duma renda de situação. Sem palavras nem actos, o juízo está feito pelo simples contraste. Tudo isso muda, e quase sem custo, se o sistema nos oferece a paz e a tolerância, apesar de havermos quebrado tanta loiça e vociferado tanto. E se pensarmos que a ordem e a organização são coisas indispensáveis a qualquer sociedade, se não confundirmos a empresa com o poder e os títulos de propriedade, não podemos recusar um acréscimo de responsabilidades. Menos ainda o podemos se criticámos esse poder no passado e acusámos as pessoas de não cumprirem com o seu dever.

No fundo, receamos sempre não estar à altura da nossa crítica e falhar onde os outros falharam. A honestidade exige pois que se aceite o cargo, por muito que agradasse mais ao filósofo ser razão e juiz apenas. Para isso era preciso não entrar no jogo da política. O delegado sindical só será escolhido agora se fizer melhor do que os outros, porque não está confinado apenas à fala rebelde.

Quanto mais a necessidade cinge o homem, mais pura é a liberdade. Mas também mais difícil é agradar, e isso é bom para o espírito. O meu amigo prefere ler os factos pela grade da esquerda e da direita. E como não pode deixar de acontecer a sua cólera é toda política. O sistema explica tudo. É uma palavra que substitui a ideia da totalidade e nesse sentido, podia ainda ser útil. Mas quando se reduz o sistema a leis da produção manuseáveis pela sociedade ou pela vanguarda, pensa-se que é possível mudar a totalidade.

Daí que estas promoções selvagens sejam fruto do sistema, que nos indignem maximamente, mas que se desculpem os homens e se esqueçam as paixões até à Revolução.

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