sexta-feira, 19 de maio de 2017

PASSAR AO LADO


Henry James (1843/1916)


(...) Assim o vira ela enquanto ele não via; e assim ela servira agora para lhe trazer a revelação da verdade. E a verdade nítida e monstruosa era que, enquanto esperava, o seu destino era precisamente esperar. A companheira da vigília percebera-o a dada altura e oferecera-lhe a oportunidade de contrariar o destino. Mas nunca é possível contrariar o destino. No dia em que ela lhe dissera que o destino chegara, vira-o ficar estupidamente a olhar sem ver a saída que ela lhe oferecia."

"A fera na selva" (Henry James)

A dor no rosto do outro homem, uma dor verdadeira, a ferida de uma paixão, foi o clique que fez sair John Marcher do seu sono.

Até ali, ele pensava que visitar aquela campa, uma vez por mês, lhe daria a consolação de, pelo menos, ter vivido. Mas que espécie de vida tinha sido a sua que lhe permitia continuar como se ainda estivesse à espera e como se, realmente, nada se tivesse passado?

Este extraordinário conto mostra que o juízo de uma vida pode ser o resultado de uma história "mal contada". Podemos passar ao lado da verdade, como um fantasma, se a revelação não acontecer. Mas a revelação, que volta a rodar o filme para um olhar outro e tudo menos fiel dar-nos-á a verdade? Ou é a ideia do Amor que, de facto, nos julga, para grande felicidade dos romancistas?

Num único momento, fatal momento, a intensidade da dor no rosto do desconhecido, pôs a nu a insignificância da sua, o artifício que construíra à volta da sua cicatriz.

A vida toda baqueou sob a sentença. Mas pode o Amor julgar?

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